Despedidas

O cheiro de chuva anunciava que o mês das férias findara e que novas despedidas o aguardariam. Já era setembro e tanta coisa havia mudado em um mês, que nem notara que as palavras haviam emudecido.
Tanta gente diferente constituía seu novo habitat natural, que a antiga magia de “os de sempre” já tinha sido esquecida. E novos habitantes do planeta “Ego” já estavam por partir também.
Viagem de trabalho marcada para um paraíso de recife de corais e volta indeterminada. Apenas o passaporte de ida fora-lhe entregado.A vida, com seus vai e vens, tinha levado mais um. Antes, muitos rodeavam o pobre rapaz de férias e, a cargo do tempo, aos poucos - como em cena de novela - todos foram indo embora. Um a um.
Dos lugares passados na vida, onde várias pessoas haviam se juntado num ciclo de amizades infindo; hoje seu próprio eu é o único que restara. Inegavelmente “os de sempre” sempre serão “os de sempre”, mas os “novatos” ocupam o mesmo espaço e a falta de convívio, às vezes, deleta “os de sempre” da memória.
Insistentemente tentou fazer contato com os astronautas, mas só os ETs respondiam e ele se rendeu. Perdido num espaço novo, com seu próprio esforço, tentando se acostumar com a gravidade. Já não mais importam os rumos a seguir, e ele parece determinado a dar o máximo de si para o “hoje”.
Quem o vê o julga, mas também, em momento algum ousou perguntar como estava; então embruteceu. O sorriso largo dera espaço à incógnita eminente. Os passos largos agora já não eram tão contemporâneos, eram - por hora - mais teatralizados. As responsabilidades mudaram; uma gama de novos horários aparecera na agenda de compromissos; tarefas difíceis de serem cumpridas; novos meios de transporte se faziam necessários e a canseira era comum ao fim do dia.
Mas a despedida do novo ainda estava por vir e belo recife de corais ainda aguardara o seu novo companheiro de horas diárias; tanto em férias, quanto fora delas.
O dia ainda não havia chegado e para ele era comum “perder o que não se tinha”, mas dessa vez era diferente: novas nuances tinham sido colocadas na pintura do quadro de dias e horas amigáveis. E ele ainda julgava o quadro muito recentemente feito para ser vendido, mas era o que devia ser feito. Em meio ao claro recife vivo pintado, cores fortes de um peixe - de nome um tanto quanto conveniente – destacavam a beleza da cena descrita. Seu novo companheiro levaria o quadro consigo e ele fazia questão de que aquela pintura ficasse na memória. O peixe era proposital, mas o sentido só ele saberia, todos podiam olhar o quadro e o admirar, mas a certeza que só para seu novo amigo ele faria sentido foi o que o moveu a fazer, para que o tornasse público. Mais como demonstração de carinho ao novo tão chegado e já tão distante, do que como vaidade de um elogio de outro qualquer.
No centro do quadro uma mensagem subliminar, uma moral da história que deve ser compreendida sem ao menos ser dita, e ele disse que assim o faria. Daria o quadro como presente para o seu amigo mochileiro e que não explicaria nada. Esperava que toda a mensagem pudesse ser compreendida pela emoção dos detalhes e significados, e que se assim não fosse jamais teria graça tal quadro. Seria apenas uma pintura opaca de meio coloridamente destacado, talvez até fazendo lembrar uma animação, que não tinha significado naquele contexto.
E saudoso ele foi entregar o presente, então despediu.
Mas as despedidas para aquele rapaz pareciam apenas estar começando.
Ao virar-se pos se a cantar. Os versos da canção pareciam exprimir seus sentimentos e também podiam ser um mantra de força ao viajante.
Ainda de longe se ouvia:
“There's always gonna be another mountain
I'm always gonna want to make it move
Always gonna be an uphill battle
Sometimes I'm going to have to lose
Aint about how fast I get there
Aint about what's waiting on the other side
It's the climb...”



Raffael Silva
3 Responses
  1. Denis Says:
    Este comentário foi removido pelo autor.

  2. Denis Says:

    Post mais q especial...
    Mais uma vez, seus txt refletem uma fase e dessa vez explícita à minha pessoa...
    Mas uma verdade seja dita: n existe despedida quando a verdadeira amizade eh carregada no coração.
    Hj não fiquei procurando algo oculto no txt, mas sim, o carinho nas palavras.
    Fiko mto feliz de ler esse post! Pois será eternizado pelos belos textos desse meu querido escritor!
    Um forte abraço mais q especial amigão!


  3. Lidar com as palavras tem duas conotações. O texto limpo, claro e objetivo é sempre bem-vindo e correto. Mas quando tudo isso vem carregado de emoção, toca a alma. Parabéns!