Um sorriso muda tudo


A dor da despedida ainda assolava o coração. O dia parecia tranquilo e nada levava a um sorriso no primeiro feriado pós-férias. O cenário era o de sempre. Nada a fazer a não ser um filminho novo no PC, baixado na madrugada anterior; pipoca de microondas e refrigerantes para ajudar na distração da monotonia. O tempo ocioso e friorento permitia que a preguiça tomasse conta de tudo. Mas, em meio ao tic-tac das horas, tudo parecia predestinado a mudar.
Terapeuticamente músicas não funcionaram, nem o filminho de romance relaxou, nem a pipoca distraíra. Mas, em algumas horas, o encaixe começou a acontecer. As peças vinham sem esforço. O sol empunha-se firme, hasteado no céu. Mais ainda faltava algo pra fechar o quebra-cabeça, para torná-lo completo.
De tão atarefado de ociosidade, mal pode perceber que lhe faltou tempo de alegrar-se, nessa busca de distrair-se.
Alegria era o que faltava, não distração inútil.Conhecidamente já dito, o milagre vem de fora: os de sempre já não mais o fazem acontecer.
Faltava-lhe vontade de sorrir, ou quem sabe ainda falta tempo para tal.Tarefa bem difícil de cumprir, pois o romance já o tinha feito chorar e o videozinho da música de mensagem de auto-ajuda havia remoído um passado doído de missão não cumprida na dura realidade da vida.
O sorriso milagroso era quase impossível e - ao que se via - faltaria mesmo uma peça no quebra-cabeça, ao fim do dia.
Despretensiosamente uma luz invadia o quarto pela fresta da janela, fazendo franzir o rosto. O dia parecia mesmo empacado. Nem o sol, nem o feriado, nem o mundo de gente dentro de casa parecia fazer sentido.
Só mesmo o sobrenatural para remover a placa de baixo estima e baixo astral que havia caído de pára-quedas naquele bendito cômodo. Nada incomum pra quem está acostumado com a magia do inesperado “efeito surpresa”; mas acontece que sempre, ou melhor, nunca se espera por ele. Tudo bem: é só querer o bem e aceitar.
Feito o sorriso. Como que por magia, um simples “urso-irmão-chuco” – um bicho de pelúcia -, tinha-lhe feito gargalhar. Uma imagem bem cômica do “pé grande” abraçando um estimado bichinho infantil tinha saltado-lhe as vistas e o riso fora incontrolável. O vídeo era narrativo e dotado de mensagens escritas que induziam sorrisos espontâneos, mas a visão do gigante cheio de amor com o peludo era provocativamente cômica.Nada mais faltava, tudo mais vinha a acrescentar.
E quem disse que o que nos parece bom é o suficiente? O mais sempre nos aguarda quando achamos que tudo já esta bom. Ao pé que partimos ao encontro de algo, esse algo vem também ao nosso encontro. E se o sorriso fora possível muito ainda o aguardara.Uma ligação de quinze minutos ainda o faria sorrir e cantar.
Cantar... O ato constante ainda não realizado no opaco dia da marcha, o sete de setembro.Sim, um sorriso muda tudo. E o inesperado é sempre muito bem vindo, e que esse o seja também. Muitos vão indo, enquanto muitos vêm chegando: é natural sorrisos e lágrimas no final. No entreato um mundo de gente, um mar de coisas e uma gama de gostos e cheiros, um molhe chaves e muitas portas a serem abertas, que darão a mil e um caminhos querendo ser desbravados.
Muitas peças podem parecer faltar todos os dias, mas “sorria e talvez amanhã você verá o sol vir brilhando através de você. Ilumine sua face com alegria. Apenas sorria.”



Raffael Silva.

Despedidas

O cheiro de chuva anunciava que o mês das férias findara e que novas despedidas o aguardariam. Já era setembro e tanta coisa havia mudado em um mês, que nem notara que as palavras haviam emudecido.
Tanta gente diferente constituía seu novo habitat natural, que a antiga magia de “os de sempre” já tinha sido esquecida. E novos habitantes do planeta “Ego” já estavam por partir também.
Viagem de trabalho marcada para um paraíso de recife de corais e volta indeterminada. Apenas o passaporte de ida fora-lhe entregado.A vida, com seus vai e vens, tinha levado mais um. Antes, muitos rodeavam o pobre rapaz de férias e, a cargo do tempo, aos poucos - como em cena de novela - todos foram indo embora. Um a um.
Dos lugares passados na vida, onde várias pessoas haviam se juntado num ciclo de amizades infindo; hoje seu próprio eu é o único que restara. Inegavelmente “os de sempre” sempre serão “os de sempre”, mas os “novatos” ocupam o mesmo espaço e a falta de convívio, às vezes, deleta “os de sempre” da memória.
Insistentemente tentou fazer contato com os astronautas, mas só os ETs respondiam e ele se rendeu. Perdido num espaço novo, com seu próprio esforço, tentando se acostumar com a gravidade. Já não mais importam os rumos a seguir, e ele parece determinado a dar o máximo de si para o “hoje”.
Quem o vê o julga, mas também, em momento algum ousou perguntar como estava; então embruteceu. O sorriso largo dera espaço à incógnita eminente. Os passos largos agora já não eram tão contemporâneos, eram - por hora - mais teatralizados. As responsabilidades mudaram; uma gama de novos horários aparecera na agenda de compromissos; tarefas difíceis de serem cumpridas; novos meios de transporte se faziam necessários e a canseira era comum ao fim do dia.
Mas a despedida do novo ainda estava por vir e belo recife de corais ainda aguardara o seu novo companheiro de horas diárias; tanto em férias, quanto fora delas.
O dia ainda não havia chegado e para ele era comum “perder o que não se tinha”, mas dessa vez era diferente: novas nuances tinham sido colocadas na pintura do quadro de dias e horas amigáveis. E ele ainda julgava o quadro muito recentemente feito para ser vendido, mas era o que devia ser feito. Em meio ao claro recife vivo pintado, cores fortes de um peixe - de nome um tanto quanto conveniente – destacavam a beleza da cena descrita. Seu novo companheiro levaria o quadro consigo e ele fazia questão de que aquela pintura ficasse na memória. O peixe era proposital, mas o sentido só ele saberia, todos podiam olhar o quadro e o admirar, mas a certeza que só para seu novo amigo ele faria sentido foi o que o moveu a fazer, para que o tornasse público. Mais como demonstração de carinho ao novo tão chegado e já tão distante, do que como vaidade de um elogio de outro qualquer.
No centro do quadro uma mensagem subliminar, uma moral da história que deve ser compreendida sem ao menos ser dita, e ele disse que assim o faria. Daria o quadro como presente para o seu amigo mochileiro e que não explicaria nada. Esperava que toda a mensagem pudesse ser compreendida pela emoção dos detalhes e significados, e que se assim não fosse jamais teria graça tal quadro. Seria apenas uma pintura opaca de meio coloridamente destacado, talvez até fazendo lembrar uma animação, que não tinha significado naquele contexto.
E saudoso ele foi entregar o presente, então despediu.
Mas as despedidas para aquele rapaz pareciam apenas estar começando.
Ao virar-se pos se a cantar. Os versos da canção pareciam exprimir seus sentimentos e também podiam ser um mantra de força ao viajante.
Ainda de longe se ouvia:
“There's always gonna be another mountain
I'm always gonna want to make it move
Always gonna be an uphill battle
Sometimes I'm going to have to lose
Aint about how fast I get there
Aint about what's waiting on the other side
It's the climb...”



Raffael Silva